Carta aberta para o meu pai

No final do ano passado (em outubro, para ser mais específica), meu pai saiu de casa. Sem falar, sem comunicar, sem se despedir; simplesmente foi. Deixando para trás sua família, seu casamento – que não existia mais, porém minha mãe sempre o manteve como marido – seu filho, que sentia muito orgulho dele e eu. Refiro-me a mim como um nada, porque é dessa forma que ele passou a me enxergar. Já fazia um tempo que o espírito familiar já havia acabado, mas ainda sim nos mantínhamos em união.




Eu sempre fui muito parecida com ele. Geniosa, difícil e orgulhosa. Mas eu o amava tanto! Sentia um amor fraterno por todas as doces lembranças que eu tinha na minha infância. Por ele sempre ter sido um paizão, por trabalhar incansavelmente para nos dar o melhor que a vida podia proporcionar. Mas viver de passado, ainda mais se tratando de afeto, não rola. Eu cresci e continuei buscando ser uma filha melhor, em ter notas boas, e buscar minha independência para dar orgulho para ele (e pra minha mãe também). Mas isso não era suficiente pra ele; isso nunca foi suficiente.

Meu pai sempre foi uma pessoa difícil, geniosa e que só a opinião dele bastava. Mas ele também era uma pessoa boa. Eu tinha orgulho dele, da honestidade, do caráter. Tinha... Minha mãe sempre lutou para manter o casamento e a casa em pé, mas parecia que ele se sentia bem, com toda essa situação. Ele sempre procurava me culpar por tudo. Por eu namorar (olha só, rs, arrumei meu primeiro namorado com 19 anos e ainda era de cadeirinha), por sair (não passava de 22 horas, porque se não eu dormia fora de casa – como ele me deixou uma vez), por trabalhar, estudar, me manter e quando dava, ajudava em casa. Eu guardei isso pra mim, todos os dias, após sua partida, eu me questionava o porquê.

Há três anos aceitei o convite de ir à uma igreja evangélica, através da minha amiga Viviany. Depois de 3 meses freqüentando, me converti e ‘aceitei Jesus’ . Ela sabia de todos os conflitos que eu tinha com meu pai e me disse que eu precisava orar pela vida dele. Mesmo depois de um ano sem falar com ele, continuei rezando TODOS OS DIAS para Deus dar luz e paz pra alma dele. Lembro até de um culto em que o pastor falou sobre amor. Que é muito fácil demonstrar e orar por quem gosta e ama a gente. Difícil mesmo é amar e continuar orando pelas pessoas difíceis. Lembrei do meu pai, que todos os dias procurava motivos para brigar e me magoar, mas nunca deixei de amá-lo e pedir a Deus pela vida dele.

Os pais esquecem que os filhos crescem, criam gostos e anseiam vôos e sonhos. Meu pai ainda não tinha entendido que eu tinha crescido e me tornado uma mulher com vontades, gostos e desejos diferentes da juventude dele. Você só precisava confiar no que você me ensinou e educou. Isso seria o suficiente.

Desde que ele foi embora, eu chorava todas as noites. Chorava porque tinha medo do que poderia acontecer. De a minha família passar por necessidades ou por não ter como dar apoio para minha mãe, que dedicou mais de 20 anos de sua vida pra uma pessoa, que escolheu partir sem mais nem menos. Mas eu precisava ser forte. Afinal, eu não era mais uma garotinha que tinha caído e arranhado o joelho. Tinham ferido e destruído o meu coração. Mas eu precisava ser forte e acreditar que Deus tinha o melhor pra minha vida.

Então, Pai... Você lembra que eu te ligava e o senhor sempre me destratava? Sempre dizia que eu não me importava com você, que eu não gostava de você. Mas sabe, pai, uma hora a gente cansa de ir atrás de quem não vem atrás da gente. E mesmo eu sabendo que pai é algo divino e que é eterno, eu cansei. Eu me maltratava para saber uma notícia sua, me humilhava quando ligava para você, quando na verdade eu só queria saber como você e os gatinhos estavam. Ligava para saber se você queria saber da minha vida. Eu te ligava pai, pra te contar que troquei de emprego, que finalmente consegui um estágio da faculdade que o senhor tanto criticava. Pai, eu apareci na TV, acredita? Algumas vezes fui repórter do programa do time que o senhor torce. Um sonho né, pai?  Eu te liguei, te contei isso tudo e o senhor me disse que não queria saber da minha vida. Que tinha vergonha de mim. Que eu esquecesse que você existia, porque o senhor nem lembrava que tinha uma filha. E o que mais me doeu: Que eu tinha morrido pra você.

Isso não te doeu? Eu sei que doeu. Mas eu sei que isso o que você fala é para dizer que é forte. Que não precisa de ninguém, que está bem; mas eu sei pai, que você sente nossa falta. Eu não queria que tudo tivesse terminado assim, sabe? Mas desde a última ligação, onde o senhor me disse que onde eu tivesse você saía, eu caí na real. Eu percebi que eu não preciso disso. Eu não preciso me destruir para te deixar inteiro. Eu não preciso perder minha saúde mental para receber em troca as migalhas que o senhor tem pra me oferece. Eu não preciso.

Mesmo depois de TUDO o que você fez comigo (você sabe o quê), eu ainda guardo no coração todas as nossas lembranças mais felizes. E sabe, pai, eu continuo rezando por você. Continuo pedindo para Deus te dar paz e muita luz. Que ele consiga tirar toda mágoa dessa tua alma tão conturbada. Que você possa conhecer o verdadeiro amor, o de Cristo, e que você consiga seguir sua vida em paz.

Hoje, eu me lembro de você. Mas não como meu pai. Muito menos como um familiar. Até porque, família é abraço, beijo, cheiro, conselhos, tropeços e recomeço. E você não é nada disso pra mim. Você preferiu partir ao invés de querer recomeçar. Olha como você foi covarde, pai. Você nem se despediu da gente. Você está entre nós, mas é como se não tivesse. Você sabe como dói ter um pai vivo e não poder contar com ele? Vejo tantas pessoas que choram por que seus pais faleceram. Ou pais que choram porque os filhos não estão mais entre eles.
Eu não sei se algum dia o senhor irá ler isso aqui. Mas eu quero que você saiba que é difícil ir atrás de quem escolheu partir. Você causou muita dor, buracos no coração e feridas que serão difíceis de sarar. Espero que um dia o senhor se arrependa de todo o mal que causou em mim. De todas as palavras que falou para mim e de tudo de ruim que me desejou. Eu vou continuar te desejando luz, amor e um abraço quentinho de Jesus; foi ele quem me abraçou quando você me rejeitou. E eu não me importo de não ter você ao meu lado. Tenho uma mulher guerreira, única e que conseguiu dar a volta por cima depois do teu abandono. Fica realmente bem, seu Francisco.

Obrigada! Teu abandono me tornou uma mulher forte, me tornou uma mulher independente, uma mulher que acredita na vida e que NUNCA vai deixar de acreditar no amor. Por isso, obrigada. E pai, eu te perdoei, ta? Esse fardo eu não carrego e nem ocupo espaço no meu coração com isso. Aprendi a não ser como você e aprendi que depois da tempestade, sempre vem um lindo arco-íris e as flores sempre florescem. E eu, estou pintando meu arco-íris e colhendo todas as flores que um dia você transformou em espinhos.


Feliz dia dos pais.